* Fabio Anibal Goiris
Parte 2 – A política e o poder (familiar e oligárquico) em Ponta Grossa
Na cidade de Ponta Grossa a presença de famílias tradicionais na política não se apresenta de forma duradoura e contundente como ocorre no Estado, cujo epicentro é Curitiba. Nos Campos Gerais a política se sustenta e se baseia, historicamente, na oligarquização do poder político e no conservadorismo.
Contudo, não se pode desestimar o poder político do familismo em Ponta Grossa. Assim, o exemplo mais expressivo tem sido o de Plauto Miró Guimarães (ex-prefeito da cidade, eleito em 1966). O advogado Plauto Miró Guimarães é também neto do Senador Flávio Carvalho Guimarães, todos descendentes de Manoel Antônio Guimarães, o famoso Visconde de Nácar. Saliente-se que o ex-senador e ex-prefeito Plauto Miró Guimarães foi casado com Leoni Slaviero, de tradicional família de capitalistas madeireiros dos Campos Gerais. Plauto Miró Guimaraes Filho foi eleito seis vezes deputado estadual e seu primo, o deputado estadual Fernando Ribas Carli Filho, foi prefeito de Guarapuava.
O primeiro prefeito de Ponta Grossa, que assumiu em 1891, foi o coronel Claudio Gonçalves Guimarães. Na verdade, era prefeito nomeado, não eleito. O coronel Cláudio não era coronel de patente, mas, fazendeiro. Durante o chamado Estado Oligárquico (1889-1930), a comenda militar era outorgada pela Guarda Nacional, uma força paramilitar do Brasil. Assim, a patente de Major, do primeiro prefeito eleito de Ponta Grossa, Major Manoel Vicente Bittencourt, que assumiu a prefeitura em 1892, também foi outorgado pela Guarda Nacional.
Em 1896 tomava posse como prefeito de Ponta Grossa, Ernesto Guimarães Vilela. Foi reeleito mais duas vezes consecutivas, ficando 12 anos à frente da Prefeitura. Em termos de ligações familiares, Ernesto Vilela era filho do Comendador Bonifácio Vilela e irmão de José Bonifácio Guimarães Vilela (que foi prefeito se Ponta Grossa em 1908). Ernesto Vilela foi o prefeito que permaneceu por mais tempo no cargo. Contudo, Pedro Wosgrau Filho também irá governar por 12 anos (81 anos após a saída de Vilela). Wosgrau ocupará o cargo de prefeito a partir de 1989.
Nas eleições para prefeito de Ponta Grossa de 1917 ocorreu a primeira amostra de que as famílias tradicionais nem sempre dominam a política. O prefeito eleito não pertencia a nenhuma linhagem familiar ponta-grossense. Tratava-se do médico gaúcho Dr. Abraham Glasser (que nasceu em Canguçu, RS e governou até 1920). É possível também que o novo prefeito tenha inaugurado em Ponta Grossa a cultura política de “votar em médicos”, uma vez que vários médicos irão estar presentes na cena política. Comentava-se na época, em 1918, que o Dr. Glasser encaminhou muito bem os trabalhos de saúde preventiva contra a devastadora pandemia denominada de Gripe Espanhola. Nesse período, Ponta Grossa contava com pouco mais de 12.000 habitantes.
Brasilio Ribas e Vitor Antônio Batista fortaleceram a tese das famílias na política. Ribas já tinha passado brevemente pela Prefeitura em 1916 e agora, 1920, foi empossado para governar até 1924. Brasilio Ribas foi o prefeito que organizou a festa para o Primeiro Centenário da cidade de Ponta Grossa em 1923. O coronel Vitor Antônio Batista nasceu em Ponta Grossa e conseguiu a criação do tradicional Colégio Regente Feijó. Por seu lado, Theodoro Batista Rosas, que foi prefeito em 1912, certamente influenciou a eleição para prefeito de Ponta Grossa, em 1928, do seu cunhado o paulista Elyseu Campos Mello.
Quando emerge o denominado Estado burguês (1930-1964), ocupa o cargo de prefeito Brasil Pinheiro Machado, nascido em Ponta Grossa. A sua eleição favoreceu a tese das famílias na política. Não obstante, essa tese irá sofrer um novo revés com a nomeação de um militar. A cidade de Ponta Grossa recebeu em 1933 um prefeito nomeado pela alta cúpula do Estado, o Coronel Pedro Scherer Sobrinho. Este sim era coronel de patente, uma vez que pertencia à Policia Militar do Paraná. A presença de um militar na Prefeitura ocorria em função do descontentamento das elites econômicas durante o governo de Getúlio Vargas, uma vez que percebiam uma grande instabilidade econômica e a iminência de uma revolução político social. Em 1934 foi eleito outro prefeito do clã Guimarães: Albary Guimarães. Durante o seu governo, em 1937, foi criada a Faculdade de Farmácia e Odontologia de Ponta Grossa.
A partir das décadas de 1940 e 1950 não emergem mais figuras que claramente representem laços consanguíneos com as famílias tradicionais. Ou seja, podem até pertencer a famílias locais, mas não deixaram sinais de interconexão política ao longo do tempo. A lista de prefeitos daquele período inclui os nomes de Peregrino Dias, Claudio Mascarenhas, João Gravina, Theodoro Machado, Mena Barreto, João Vargas de Oliveira, Heitor Ditzel, Petronio Fernal, José Hoffmann, Michel Namur, Eurico Batista Rosas e Fulton Macedo. Todos estes prefeitos não deixaram descendentes atuando na política partidária.
Existem casos em que as relações familiares vieram de fora de Ponta Grossa, mas, que influenciaram poderosamente a política eleitoral da cidade. Assim, Affonso Alves Camargo Neto (PSDB) foi eleito várias vezes deputado federal com os votos da cidade de Ponta Grossa. Era neto do ex-presidente do Paraná, durante a República Velha, Affonso Alves Camargo, grande proprietário de terras e pecuarista. O ponta-grossense Sandro Alex, nas eleições para deputado federal de 2010, será o encarregado de derrotar definitivamente Affonso Camargo, cujo domicilio eleitoral era de Curitiba.
Quando chega o regime militar em 1964 a tese das famílias sofre mais um impacto negativo, em razão de que os políticos de destaque da cidade não deixaram seguidores da mesma família. Os prefeitos daquela década de 60 incluem os nomes de Cyro Martins, Amadeu Puppi, Luiz Carlos Zuk, Romeu Ribas e Otto Santos Cunha. Nenhum deles deixou herdeiros no espectro do poder político. Cumpre salientar que a ideologia de direita continuava a prevalecer em forma absoluta. Não obstante, no espectro da ideologia política, em Ponta Grossa, figuras destacadas da esquerda como o médico Dino Colli e o advogado José Kanawate farão parte da resistência socialista à ideologia dominante. José Kanawate foi preso, na década de 60, pelo regime militar e permaneceu 10 dias numa cela solitária na prisão do bairro do Ahú, em Curitiba. No Estado do Paraná, contrariamente ao que ocorria em Ponta Grossa, algumas ancestrais famílias de políticos se sucediam e se multiplicavam ao longo do tempo. Podem ser incluídos o clã político de famílias como Lupion, Khury, Richa, Belinati, Requião, Barros, etc. Seus descendentes continuam até hoje ocupando importantes cargos políticos.
Emerge, por fim, o Estado Democrático de Direito, em 1986, após o regime militar. A lista de prefeitos inclui nomes de: Otto Santos Cunha, Pedro Wosgrau Filho, Paulo Cunha Nascimento, Joselito Canto, Péricles de Holleben Mello, Marcelo Rangel e Elizabeth Schmidt. Estes políticos, a maioria ponta-grossenses, seguem o mesmo padrão que se verificou nas décadas anteriores, ou seja, não deixaram descendentes no espectro do poder político.
Assim, pode-se concluir que a ideologia de direita, em Ponta Grossa, caminhou tranquilamente por dois séculos, impondo uma hegemonia conservadora. Seus poucos entraves ou percalços se reduzem à vitória para a Prefeitura, em 1996, de um político carismático e populista (mas sem nenhuma tradição familiar na política local) como Jocelito Canto e, no ano 2000, de um político de esquerda como o professor universitário Péricles de Holleben Mello. A seguir, a direita continuou no poder, por mais de 20 anos, sem deixar, no entanto, descendentes que sejam familiares no espectro do poder político. Hoje, com Elizabeth Schmidt, a direita emerge novamente na política ponta-grossense com todo o poder da máquina do Estado e dos seus políticos e partidos alinhados.
Em Ponta Grossa, as famílias tem apresentado descontinuidade política por não deixarem sucessores ligados genealogicamente ao poder. Incluem sobrenomes como Guimarães, Cunha, Ribas, Vilela, Batista, Gravina, Rosas, Vargas de Oliveira, Ditzel, Martins, Puppi, Zuk, Ribas, Cunha, etc. A falta de projeção familiar na política destes grupamentos familiares seria um resultado da escassa politização que se observa em Ponta Grossa. Politizar significa tornar as gerações, especialmente de jovens, aptas a entender a relevância do pensamento e da ação política. Significa filosofar sobre o exercício da cidadania e não apenas concentrar-se no ato de votar. A politização incorpora o uso da cidadania e do republicanismo visando a evolução das instituições públicas e a luta por direitos. A falta de estimulo para seguir a carreira política seria um resultado do fato de que as universidades de Ponta Grossa, como a própria UEPG, não estarem oferecendo cursos de Sociologia, Filosofia, Antropologia e Ciência Política. Já no Estado do Paraná, a longevidade das famílias de políticos tradicionais avança por séculos e incluem nomes como Lupion, Khury, Richa, Belinati, Requião, Barros, Borghetti, etc. As múltiplas e diversificadas conexões entre poder econômico, poder político e estruturas de parentesco e consanguinidade estão sempre sendo renovadas e em acelerado e constante movimento.
Bibliografia
SARDINHA, E. Famílias políticas no Congresso Nacional. Revista Congresso em Foco, 2017.
OLIVEIRA, R. Famílias, poder e riqueza: redes políticas no Paraná. Sociologias (18), dez, 2007.
GOIRIS, F.A. Estado e Política: a história de Ponta Grossa, Pr. Ponta Grossa: Editora Planeta, 2015.
* Fabio Anibal Goiris é professor da UEPG, Mestre em Ciência Política pela UFRGS, realizou curso de Sociologia Política na Universidade Londres, Inglaterra e é autor do livro: Estado e Política: a história de Ponta Grossa, Pr.