Parte 1 – O familismo político e suas nuanças
* Fabio Anibal Goiris
O objetivo deste artigo é lançar alguma luz sobre as tradicionais relações familiares que se sucederam nos últimos 200 anos no poder político da cidade de Ponta Grossa. Dois elementos se destacam, historicamente, no interior desse processo: 1) houve um predomínio absoluto da ideologia de direita e 2) as vitorias eleitorais têm favorecido claramente as vertentes familiares, oligárquicas e autoritárias. Contrariamente, os candidatos isolados ou outsiders têm se apresentado como de menor impacto quanto às vitórias eleitorais (comparado com o predomínio das famílias políticas). Não se trata de um posicionamento contrário à presença das famílias na política. Estas famílias certamente tem ajudado as cidades paranaenses as quais elas pertencem, mas, em muitos casos, se transformaram numa intricada rede de relações consanguíneas que induziram o aparecimento do nepotismo, do clientelismo e do patrimonialismo (fenômeno que inicia a ilegalidade na política). Conclui-se que o objetivo da política, em qualquer uma das suas manifestações, é afiançar a democracia e o republicanismo.
No Brasil, a relação entre parentesco e poder político tem sido evidenciada em forma intensa e profunda. Edson Sardinha (2017) explica que as famílias políticas no Congresso Nacional estão marcadamente presentes. Pelo menos 319 deputados (62% do total da Câmara dos Deputados) e 59 senadores (73% do total de representantes do Senado Federal) têm vínculos de parentesco com políticos, ou seja, em sua grande maioria pertencem às famílias políticas, conhecidas há décadas ou séculos. Historicamente, sempre foi comum a identificação de oligarquias (personificadas em sobrenomes) no comando político em praticamente todos os Estados brasileiros.
O cientista político Ricardo Oliveira (2007) afirma que, no Paraná, uma análise da genealogia das famílias detentoras de poder e riqueza tem mostrado que estão sempre associadas aos interesses dominantes há quase 300 anos. Nomes ilustres da política e da economia compõem uma surpreendente e intricada rede de relações familiares, de parentesco e de privilegiamento para assegurar uma estrutura do poder que lhes seja favorável. Nepotismo, clientelismo e diferentes artifícios são utilizados para as finalidades e resultados das redes políticas, que operam muitas vezes nos limites da legalidade e, por vezes, na ilegalidade.
Esta prática política, no Estado, vem desde o período colonial. A criação da província do Paraná, em 1853, seria o ponto de partida. Não obstante, a origem escravocrata, a colonização desigual e autoritária (que inclui a apropriação de terras por coação e grilagem) já ocorria em Ponta Grossa desde 1823. Assim, a presença da escravidão nos Campos Gerais irá contribuir para a consolidação das formas de fazer política baseadas no utilitarismo, no autoritarismo e no conservadorismo. As relações consanguíneas e de parentesco relacionadas à política atravessam a vida social e cultural do Estado desde o século XVIII. A prática política do ‘familismo’ vem passando para as novas famílias particularmente de imigrantes. Nesse longo período, criaram-se famílias ideologicamente de direita e de extrema direita, bem como, em muito menor proporção, famílias progressistas. Estas, raramente, passaram a se constituir em famílias de esquerda (Goiris, 2015).
Historicamente, os diferentes estratos ou classes sociais sempre se caracterizaram por um predomínio da ideologia de direita. Desde 1823 a absoluta maioria dos políticos da cidade de Ponta Grossa se alinhava aos latifundiários e aos donos de terras beneficiados pelo sistema português das Sesmarias. A seguir, desde os anos 1930, com o avanço político do liberalismo oligárquico, fortaleceu-se ainda mais aquela ideologia. Dos resquícios da aristocracia rural emergiram tanto o Coronelismo como também o governo de Getúlio Vargas (que visitou Ponta Grossa no dia 29 de janeiro de 1944 e cujas fotografias estão hoje no Hotel Planalto, onde ficou hospedado). Em pouco tempo, a cidade de Ponta Grossa foi tomada pelas bandeirolas dos Integralistas e dos Nazistas, pela Igreja conservadora de Dom Geraldo Pellanda e pelo conservadorismo do regime militar (Goiris, 2015).
Na ideologia de direita e de extrema direita, no Estado do Paraná, emergem sobrenomes destacados como o ex-governador militarista Ney Aminthas Braga (PDS) e o clã dos Lupion (dinastia de políticos que remonta à figura do famoso Telêmaco Borba, militar, escritor e político, que nasceu em 1840). Esta família era liderada, na época, pelo ex-governador Moysés Lupion (filho de espanhóis que nasceu no Brasil em 1908). O pai do deputado Pedro Lupion (DEM) foi Abelardo Lupion, um dos fundadores da UDR (União Democrática Ruralista).
Pode-se afirmar que a política no Paraná se constitui, do ponto de vista pragmático, num negócio de poucas famílias. José Richa, eleito governador em 1983, era cirurgião-dentista e afilhado político de Ney Braga. Durante o seu governo José Richa promoveu uma positiva ruptura com a oligarquia dos tradicionais ervateiros e fazendeiros, deslocando a economia e a política paranaense para o lado do norte (Richa foi prefeito de Londrina). O filho de José Richa, Beto Richa, foi eleito governador em 2011 (o clã político inclui a esposa de Beto, Fernanda Vieira, ligada ao Grupo Bamerindus, que foi secretária de governo). O irmão do governador Beto Richa, José Richa Filho, tem atuado em toda a área de infraestrutura e logística. Esta performance política conservadora e patrimonialista se estendeu a outros nomes do Estado como Khury, Lerner, Dias, Stephanes, Camargo, Leprevost, Barros, etc.
Na vertente dita progressista da política paranaense o médico Wallace Thadeu de Mello e Silva, apoiado pelo governador Bento Munhoz da Rocha, em 1951, tornou-se prefeito de Curitiba. A seguir, seu filho, Roberto Requião, emerge como membro do antigo MDB, sendo eleito prefeito de Curitiba e, depois, eleito, nada menos que três vezes governador do Paraná. Requião implementou em forma pioneira programas sociais como o Luz Fraterna, de 2008, que subsidiava a energia elétrica a famílias pobres. Outros programas de inclusão social também foram implementados como o Leite das Crianças e a Tarifa Social da Água. Atualmente é filiado ao PT e seu filho, o deputado estadual Requião Filho, pertence ao mesmo partido, demonstrando o persistente itinerário genealógico deste clã político.
Um dos poucos políticos que parece escapar do predomínio de famílias de tradição política é o atual governador Ratinho Jr. (PSD). Mas, na ausência de famílias de ancestralidade política, Ratinho Jr. passou a se inserir na tradição de políticos ligados a ícones da mídia radial e televisiva. Neste caso, ligado ao seu pai, o popular apresentador Ratinho (SBT). O ex-prefeito Jocelito Canto e os deputados e irmãos Sandro Alex e Marcelo Rangel, todos de Ponta Grossa, são exemplos de comunicadores que se tornaram vitoriosos nas eleições, sem pertencerem às tradicionais famílias políticas. Neste momento, cabe uma pergunta: a mídia, que inclui, rádio, TV, jornais e a internet, pode estar substituindo lentamente o predomínio dos tradicionais laços familiares de políticos?
* Fabio Anibal Goiris é professor da UEPG, Mestre em Ciência Política pela UFRGS, realizou curso de Sociologia Política na Universidade Londres, Inglaterra e é autor do livro: Estado e Política: a história de Ponta Grossa, Pr.