Uma Maternidade (Santana), um Hospital da Criança e um Hospital Municipal do Pronto Socorro. Esta era a estrutura que Ponta Grossa registrava até o final dos anos 1990 e foi, aos poucos, ‘desativada’, transferida para outra instituição, ‘terceirizada’ ou mesmo ‘vendida’, na prática. Em outras palavras, a população de PG elegeu políticos para administrar a Prefeitura e legislar (na Câmara) que, simplesmente, e por estranhas justificativas, decidiram por criar alguns problemas a mais na estrutura de atendimento público em saúde no Município, ao invés de facilitar a vida dos moradores.
E não foi por falta de aviso: privatizar faz mal à saúde! O alerta foi feito, há pelo menos 20 anos, pelo Ministério Público de São Paulo, após longos estudos e processos de terceirização de responsabilidade de gestores que propagandeavam uma ‘eficiência’ gestora da iniciativa privada. É preciso entender o que foi feito em Ponta Grossa, ao longo das últimas décadas, que na prática dificultou a manutenção de serviços essenciais em saúde.
Fundada em 1954, a Maternidade Santana de Ponta Grossa logo se tornou referência no atendimento materno-infantil nos Campos Gerais. Aliás, nos registros oficiais não se fala quando e tampouco o motivo do fechamento da Maternidade mantida pelo dinheiro público do Município e diversos convênios que foram firmados por décadas de serviços prestados à população.
E o que aconteceu com a Maternidade? No final dos anos 1990, os registros informam que a então administração municipal ‘repassou’ a estrutura da Maternidade para um grupo de medicina privada, com o aval do legislativo local, por suposto. “Em 1998, o governo estadual anterior desonerou o hospital de qualquer responsabilidade com o SUS”, diz uma reportagem da jornalista Kátia Brembatti (na Gazeta do Povo, publicada em 16/06/2009), quando a Justiça Federal determinou a devolução da área (terreno e prédio) ao Município, a partir de uma ação da promotoria local do Ministério Público Federal apresentada em 2004.
Enquanto isso, a disputa eleitoral de 2004 em PG foi decidida na base de um bordão de propaganda, que não saiu do papel: “nós vamos acabar com as filas na saúde”. E o povo elegeu o então candidato, entre um misto de esperança ou ilusão com uma promessa que, depois se confirmou, não saiu do papel. E as filas só acabaram mesmo nos locais em que os serviços de saúde pública foram desativados ou ‘transferidos’, como alegavam alguns defensores do mesmo grupo político que controla espaços eletivos na Cidade e Região.
Tão logo não funcionou a promessa, no mandato seguinte (2009-2012), o mesmo grupo político reeleito decidiu transferir a responsabilidade de gestão de Unidades de Saúde mais movimentadas a uma fundação de direito privado, como uma solução mágica aos problemas estruturais que continuaram enquanto o bordão de campanha eleitoral (“vamos acabar com as filas”) virou piada entre moradores. A referida fundação privada, mesmo com nome que remetia a uma instituição de ensino público, logo devolveu a tarefa da gestão da saúde ao Município, pois não tinha condições e tampouco recursos humanos para atender a população de PG.
Em julho de 2020, em outra pré-campanha eleitoral, eis que uma ‘bala mágica’ sai da cartola dos gestores locais, de olho na reeleição do mesmo grupo político ocupante das mais de três centenas de cargos comissionados na Prefeitura de PG: o prédio da antiga maternidade, vendida e devolvida ao Município, seria uma nova UPA, a ser inaugurada antes mesmo da fatídica eleição (de 15/11/2020). Mas, quem iria trabalhar no local e com que condições, questionava a direção do Sindicato dos Servidores Municipais? Ora, a terceirização de mão de obra, determinava o então prefeito, reproduzindo um modelo conhecido, que precariza e desrespeita o trabalho de profissionais, já há alguns anos em outras unidades do Município.
Logo em seguida, entra em cena uma outra ilusão de melhoria do atendimento à saúde em PG: em 30/03/2022, a administração municipal, sempre com o ‘apoio tranquilo’ da maioria de vereadores e vereadoras, anunciou o fechamento do Hospital Municipal Amadeu Puppi do Pronto Socorro (HPS)… “temporariamente”. Vereadores silenciaram, mídia local apenas ‘divulgou’ e a população fez de conta que estaria quase tudo bem. A alegação? O HPS, em precárias condições, precisava de obras! E o pior estava mesmo por vir: em 19/09/2022, a chefia do executivo local na Prefeitura confirmou algo que era esperado: o HPS não ia mais reabrir, pois passaria a ser um ambulatório, sob gestão do Hospital Regional.
Não precisa ser especialista em saúde pública para entender o ‘golpe’ no atendimento à população: antes, o HPS incluía serviços rotineiros de demanda em saúde e também internamentos e cirurgias, dentre outros. Como ambulatório, o atendimento prevê serviços simples, como consultas, avaliação de condições clínicas como pressão arterial, temperatura, exames de baixa complexidade e outros procedimentos básicos. Se alguém precisar de internamento e for ao ambulatório, agora, como fica? O paciente precisa ser transferido para hospitais que integram a fila de espera da Central de Regulação de Leitos.
Vale um exercício, não é mesmo: responda rápido… quem foi o gênio que “terceirizou” a responsabilidade pela saúde pública no Município? Os mesmos em quem a maioria da população votou, seja para prefeito/a ou vereadores, que deveriam fiscalizar e legislar para resolver problemas e não para silenciar diante da criação de problemas que, até então, sequer existiam na Cidade. E a conta? Ora, de novo, ao contribuinte, sua excelência!
Mas, como ainda pode piorar, não considere surpresa se, nos próximos meses, acaso ouvir promessas (de difícil viabilidade) para resolver os problemas que a maioria da população enfrenta quando precisa de atendimento em Saúde Pública. Vale ouvir, avaliar atentamente e não embarcar em (outra) canoa furada, pois a desinformação também é uma estratégia para desviar o problema ou mesmo enganar quem ainda aceita se iludir. Se liga, aí, gentileza!
Sérgio Gadini, professor em Jornalismo UEPG, coordenador do projeto de extensão Combate à Desinformação nos Campos Gerais. E-mail: slgadini@uepg.br